sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

CRIAÇÃO: BARRO VS POEIRA ESTELAR


"O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, 
e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente."
Gênesis 2:7

Para os literalistas bíblicos (fundamentalistas), a espécie humana, o Homo sapiens, foi criada por Deus a partir do barro. Para a comunidade científica, fomos feitos da poeira estelar.

Francis Collins, um dos maiores nomes da Ciência atualmente e Cristão diz em seu livro "A Linguagem de Deus":
"Todas essas etapas na formação do nosso sistema solar são, atualmente, bem descritas e improváveis de ser revisadas com base em informações futuras. Quase todos os átomos de seu corpo foram, algum dia, cozidos na fornalha nuclear de uma supernova antiga – você foi, de verdade, criado com a poeira das estrelas” (p. 76) 
Barro, poeira... Tais afirmações são aparentemente parecidas, não? Tal similaridade não é tão simples de se explicar, mas suas diferenças se residem em sua contextualização.

No contexto científico, "Poeira estelar" é uma forma poética de se referir aos átomos formados nos núcleos das estrelas, é uma expressão utilizada para divulgação científica como forma de facilitar o entendimento. De forma mais técnica, nucleossíntese é um processo que ocorre no interior das estrelas, onde devido a gravidade mais intensa, átomos mais leves são transformados em átomos mais pesados. Ou seja, os átomos existem porque algum processo os "criou", e tal processo só é possível através das estrelas. Sendo assim, a maioria da composição do universo observável é graças as primeiras estrelas que se formaram. Ao explodirem, espalharam seus átomos pelo universo, e foram formando planetas, e outras estrelas. E estudo recentes comprovam a veracidade de tal tese, na revista Galileu foi divulgado que uma "pesquisa mostra que tanto os seres humanos quanto os astros brilhantes possuem 97% do mesmo tipo de átomos".

No livro "Deus e Darwin" Alister McGrath, biofísico e teólogo cristão diz:
Conforme o universo se expandia e esfriava, a formação  de estruturas surgia a partir do crescimento gravitacional de pequenos desvios de homogeneidade primordiais. A matéria começou a formar conglomerados, que incluíam estrelas. A formação das estrelas foi essencial às origens da vida. As altas pressões e temperaturas no interior das estrelas permitiu a ocorrência do processo de nucleossíntese, levando ao enriquecimento químico do meio interestelar.

Com mais detalhes, como dito neste excelente artigo, o evento conhecido como Big Bang levou à existência no Universo de grandes quantidades de Hidrogénio (75%). Deste modo, as primeiras estrelas após o Big Bang seriam compostas somente deste elemento.
"Entretanto essas primeiras estrelas, foram produzindo outros elementos. Além da conversão de Hidrogénio em Hélio, foram produzindo elementos como carbono, azoto/nitrogénio, oxigénio, magnésio, silício, fósforo, enxofre, cálcio, potássio, etc. As primeiras estrelas foram produzindo metais (em grosso modo, o nome que se dá a elementos mais pesados que Hidrogénio e Hélio). Foram produzindo elementos até ao elemento ferro, na tabela periódica.
Essas estrelas massivas, como qualquer estrela bastante massiva, viveram pouco e morreram como supernovas. Ao entrarem no processo conhecido como supernova, nesses breves momentos, existe temperatura suficiente para criar todos os outros elementos (naturais) da tabela periódica (como cobre, zinco, chumbo, prata, ouro, platina, etc). Isto ainda hoje acontece com todas as estrelas que implodem o seu núcleo como super nova geração.
[...] 
Assim que uma estrela “morre” como supernova, a onda de choque desta “explosão” vai-se propagar pelo Universo.
Essa onda de choque da explosão, com alguma quantidade desses elementos espalhados, irá entretanto afetar uma grande nuvem molecular bastante longe do local da supernova.
Essas nuvens moleculares são berçários estelares, ou seja, onde as estrelas se formam.
Assim, quando as ondas de choque (com os elementos químicos a serem espalhados pelo Universo) das estrelas de primeira geração encontram nuvens moleculares, irão influenciar certas partes dessas nuvens, tornando-as momentaneamente mais densas. Uma maior densidade irá levar a maior gravidade, o que levará a que junte mais gás que se encontre à sua volta, o que levará a maior densidade, o que levará a maior gravidade, o que levará a que junte mais gás que se encontre à sua volta, o que levará a maior densidade, e assim sucessivamente. Cada um destes locais na nuvem molecular irá formar uma nova estrela (não vou falar em anãs castanhas/marrons).
Estas estrelas são já de segunda geração: formaram-se após a morte de algumas estrelas de 1ª geração que afetaram a nuvem molecular que foi o seu berço."
O Sol, como ficou evidente no artigo acima, é uma estrela de segunda geração. E assim como ele, somos compostos dos mesmos elementos que se encontram na natureza, forjados pelas primeiras estrelas e outras posteriores, ainda hoje.


Rodrigo do blog Gênesis 1 apresentou um problema na interpretação bíblica ao levar este relato ao pé da letra neste artigo.
"A forma como é tradicionalmente entendido esse versículo (forma essa que dificilmente é questionada) é a seguinte: Deus, após ter finalizado a criação dos seres viventes, pegou um punhado de barro do rio, talvez o Eufrates, moldou um boneco de barro sem vida, e assoprou em suas narinas um sopro que fez o boneco viver.
Mas seria esse o sentido original?
De acordo com muitos teólogos cristãos, sim. Segundo estes, o espírito de vida (na tradução literal do texto, que em hebraico é Ruah ou Neshamah) de Gênesis 2,7 seria a vida física; sendo assim, teríamos a seguinte "equação": 
Pó da Terra (corpo) + fôlego de vida (espírito) = Alma vivente.
Pó da terra - fôlego de vida = cadáver - sem vida. 
Ou seja, um corpo sem vida que teve vida. No entanto, admite-se que o que faz o homem ser á imagem e semelhança de Deus é justamente esse espírito de vida... E aí que entra em uma questão contraditória, pois se o espírito soprado por Deus no homem é a fonte de toda a vida e o mesmo de todos os animais (conforme seria dito em Gênesis 7:22; Eclesiastes 3:19); isto quer dizer que este alento não pode ter sido algo inteligente, pois se o fosse, o fôlego de vida dos animais (o espírito) teria de ser algo racional também, e não é isso o que acontece. Nesse sentido, o homem não teria uma alma, mas sim seria uma alma. Essa contradição lógica é utilizada pelos Testemunhas de Jeová, inclusive, para combater a doutrina da alma e do espírito. Em outras palavras, considerar a equação "Pó da terra - fôlego de vida = cadáver - sem vida"acaba por desencadear numa situação contraditória, onde teria que se admitir que espiritualmente o homem e o animal seriam iguais (conforme diz Ecl 3,20, o homem é igual aos animais na origem física: pó da terra)" 

POSSÍVEL SOLUÇÃO


No livro "O Mundo Perdido de Adão e Eva" De John H. Walton, Teólogo professor de Antigo Testamento, ele apresenta uma interpretação possível a este caso.


Ele diz que o "formando" do Hebraico "ysr" não necessariamente implica um ato material:
Um dos exemplos mais claros é encontrado em Zacarias 12.1: "Palavra do Senhor, que estende os céus, assenta o alicerce da terra e forma [ysr] o espírito do homem dentro dele". Aqui o objetivo direto do verbo é o espírito humano, que categoricamente, não é material. Isso demonstra que a "formação" não é essencialmente um ato material. [...] inúmeras ocorrências não listadas aqui poderiam ser facilmente traduzidas por alternativas como "prepara", "ordena" ou "decreta"... (p. 66-67)
John Walton mostra também uma alternativa à "pó" como um ingrediente material, dizendo que "o pó em Gênesis 2.7 tem o significado de indicar que as pessoas foram criadas mortais."
[...] precisamos encontrar uma alternativa, e não há melhor local para realizar essa busca do que no próprio texto. Nós encontramos uma pista decisiva em Gênesis 3.19: "Porque você é pó, e ao pó voltará". Aqui descobrimos que pó se refere à mortalidade. Ess associação faria sentido a um leitor israelita, acostumado à ideia de um corpo que teria sido deitado a uma laje no túmulo da família e se deteriorado a uma mera pilha de osso e pó de carne desidratada dentro de um ano. [...] Além da probabilidade de que Gênesis 3.19 sugeriria que as pessoas tenham sido criadas mortais, outro detalhe em Gênesis oferece evidência ainda mais forte. No jardim, Deus providenciou uma árvore da vida. Seres imortais não necessitam de uma árvore da vida. A provisão de uma sugere que elas eram mortais. (p. 67-68)


Por fim, só quero recomendar esta música do Fresno, chamada "poeira estelar" :)



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